8.7.07

As profundezas da realidade



A dor é vista como algo completamente condenável, tendo sido, por isso, condenada à extinção. Pouco a pouco vai sendo abolida e desde o paracetamol à dissimulação, chegando mesmo à hipocrisia, foi inventado de tudo um pouco para acabar com ela.

A verdade é que ainda é questionável, tal como a sua preferência em relação à mentira agradável.

Em muitos casos a dúvida absoluta mascara a vontade do ser e este não admitirá que deseja ser enganado mas dirá que com a verdade o enganam.

A verdade é normalmente fria, mantém-se camuflada até estar muito próxima e é deveras escorregadia. Mais que isto e não menos importante é o facto de podermos sentir um verdadeiro choque se lhe tocarmos desprevenidos.
A verdade é que já curou de alheamentos, de promessas deitadas ao vento e até de um ou outro delírio, pode curar certos braços cruzados à força e estão anotados casos de melhoria do estado de reumatismo da alma.

No entanto seja como for, a verdade é para quem tem coragem, já que antes de a sabermos pode ser qualquer.

Talvez por isso haja quem esteja permanentemente dentro de uma fato de mergulho completo, imerso na sua própria realidade, deambulando pelas profundezas de cada dia, isento de todo e qualquer toque e consequentemente de todo e qualquer choque.

Pode, em sua aparência assemelhar-se à da camuflagem da falta de vontade mas, quase sempre, trata-se apenas da protecção contra o medo mais profundo, o de encontrar de surpresa deambulando pelas profundezas da realidade a mais profunda das verdades.

A perseverança do querer como última maravilha a eleger



O descontentamento humano é bem nosso conhecido apesar de não podermos precisar quando surgiu ou se sempre existiu, tão longínquo e difuso é o relato do período anterior à famosa expulsão do paraíso.

Assumimos o descontentamento como característica que, ainda que catalogada como negativa, aparenta ter a sua cota parte de importância na força que move a engrenagem. Essa força é vulgarmente chamada de “sonho” e, despertos ou adormecidos, entre o mentalmente ordenado e a desordem de sensações, uns por si e outros movendo montanhas foi-se desenhando a história daquilo que é humano.

Ingenuamente ou conscientemente, esperançadamente ou friamente, não se descobriu ainda um ser humano que nunca tenha sonhado durante a sua existência. Normal será então pensar que alguém descontente procura sonhar. Mas a linearidade já passou à história, e os filtros mentais para lá caminham, deixando a simplicidade num beco sem saída. Estamos na era do eterno descontentamento. Antes de ver um sonho realizado deseja-se outro e outro, sem prestar qualquer atenção às realizações dos mesmos. Deste modo perde-se o verdadeiro sonho e o descontentamento dá lugar a outro descontentamento disfarçado de sonho.

Há até quem pense que a alma, definição vaga de algo que permanece, não passa de descontentamento puro.

Imaginemos que, de dia ou de noite, enquanto sonhamos com algo que desejamos ouvimos um zumbido que parece ser o de um mosquito que nos interrompe o sono…

Depressa e sem hesitar ou abrir os olhos, arremessamos a primeira almofada que nos vier à mão num tiro certeiro para calar este ser que nos importuna.

Não paramos nem para ver o que era nem para parar de sonhar.

Seguimos sonhando e saboreando o nosso conforto com um leve sorriso até ao despertar.

Mas o que nunca chegámos a sonhar foi que aquele presumível mosquito poderia tratar-se de uma minúscula fadinha… que apenas estava ali por termos em nossa mente criado um belo sonho que ela vinha, alegremente e para nosso próprio contentamento, finalmente realizar…

Sonhar é saber voar e planar vencendo o atrito deste mesmo ar.